quinta-feira, agosto 20, 2009

Sacrilégio



Como a alma pura,
que o teu corpo encerra,
podes, tão bela e sensual, conter?
Pura demais para viver na terra,
bela demais para no céu viver...

Amo-te assim! - exulta, meu desejo!
É teu grande ideal que te aparece,
oferecendo loucamente o beijo,
e castamente murmurando a prece!

Amo-te assim, a fronte conservando
a parra e o acanto, sob o alvor do véu,
e para a terra os olhos abaixando,
e levantando os braços para o céu.

Ainda quando, abraçados, nos enleva
o amor em que me abraso e em que te abrasas,
vejo o teu resplendor arder na treva
e ouço a palpitação das tuas asas.

Em vão sorrindo, plácidos, brilhantes,
os céus se estendem pelo teu olhar,
e, dentro dele, os serafins errantes
passam nos raios claros do luar.

Em vão! - descerras úmidos, e cheios
de promessas, os lábios sensuais,
e, à flor do peito, empinam-se-te os seios,
ameaçadores como dois punhais.

Como é cheirosa a tua carne ardente!
Toco-a, e sinto ofegar, ansiosa e louca...
Beijo-a, aspiro-a...mas sinto, de repente,
as mãos geladas e gelada a boca:

Parece que uma santa imaculada
desce do altar pela primeira vez,
e pela primeira vez profanada

Embora! hei de adorar-te nesta vida
já que, fraco demais para perde-la,
Não posso um dia, deusa foragida,
Ir amar-te no seio de uma estrela.

Beija-me! Ficarei purificado
com o que de puro no teu beijo houver;
ficarei anjo, tendo-te ao meu lado:
tu, ao meu lado, ficarás mulher.

Que me fulmine o horror desta impiedade!
Serás minha! Sacrílego e profano,
Hei de manchar a tua castidade
e dar-te ao lábios um gemido humano!

E à sombria mudez do santuário
preferirás o cálido fulgor
de um cantinho da terra, solitário,
iluminado pelo meu amor...

Olavo Bilac

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