terça-feira, novembro 24, 2009

O Homem Perante a Natureza





A primeira coisa que se oferece ao homem
ao contemplar-se a si próprio,é seu corpo,
isto é, certa parcela de matéria que lhe é peculiar.
Mas, para compreender o que ela representa
a fixá-la dentro de seus justos limites,precisa
compará-la a tudo o que se encontra
acima ou abaixo dela.

Não se atenha, pois, a olhar para os objetos
que o cercam, simplesmente, mas contemple
a natureza inteira na sua alta e plena
majestosidade.

Considere esta brilhante luz colocada acima
dele como uma lâmpada eterna para iluminar
o universo, e que a Terra lhe apareça
como um ponto na órbita ampla deste astro
e maravilhe-se de ver que essa amplitude
não passa de um ponto insignificante na rota
dos outros astros que se espalham pelo firmamento.

E se nossa vista aí se detém,
que nossa imaginação não pare;
mais rapidamente se cansará ela de conceber,
que a natureza de revelar .

Todo esse mundo visível é apenas um traço
perceptível na amplidão da natureza,
que nem sequer nos é dado a conhecer de
um modo vago. Por mais que ampliemos
as nossas concepções e as projetemos além
de espaços imagináveis, concebemos tão somente
átomos em comparação com a realidade das coisas.

Esta é uma esfera cujo centro se encontra
em toda parte e cuja circunferência
não se acha em alguma. E o fato de nossa imaginação
perder-se neste pensamento constitui,
em suma, a maior manifestação da onipotência de Deus.

Que o homem, voltado para si próprio, considere
o que ele é diante do que existe;
que se encare como um ser extraviado
neste pequeno setor da natureza,
e que da pequena cela onde se acha preso,
do universo, aprenda a avaliar em seu valor
exato a terra, os reinos, as cidades e ele próprio.
Que é um homem diante do infinito?

Quero, porém, apresentar-lhe outro prodígio
igualmente assombroso, colhido nas coisas
mais delicadas que conhece.

Eis uma lêndea, que na pequenez de seu corpo
contém partes incomparavelmente menores,
pernas com articulações, veias nessas pernas,
sangue nessas veias, humores neste sangue,
gotas nesses humores, vapores nestas gotas;
dividindo-se essas últimas coisas esgotar-se-ão
suas capacidades de concepção, do homem,
e estaremos portanto ante o
último objeto a que pode chegar nosso discurso.

Talvez imagine, então, seja essa a menor
coisa da natureza. Quero mostrar-lhe, porém,
dentro dela um novo abismo.
Quero pintar-lhe não somente o universo visível
mas também a imensidade concebível da natureza
dentro desta parcela de átomo.
Aí existe uma infinidade de universos,
cada qual com o seu firmamento, seus planetas,
sua terra em iguais proporções às do mundo visível;
e nessa terra há animais e neles essas lendêas
onde voltará a encontrar o que nas primeiras observou.

Deparará assim, por toda parte, sem cessar,
infindavelmente, com a mesma coisa, e perder-se-á
nessas maravilhas tão assombrosas na sua pequenez
quanto às outras na sua magnitude.

Pois como não se admirar de que nosso corpo,
antes imperceptível no universo, imperceptível
no todo, se torne um colosso, um mundo, ou melhor,
um todo em relação ao nada a que se pode chegar?

Quem assim raciocinar há de apavorar-se de si próprio e,
considerando-se suspenso entre esses dois abismos do infinito
e do nada, tremerá à vista de tantas maravilhas;
e creio que, transformando sua curiosidade em admiração,
preferirá contemplá-las em silêncio a investigá-las com presunção.
Afinal que é o homem dentro da natureza?
Nada, em relação ao infinito.




Blaise Pascal
(físico, matemático,
filósofo moralista e teólogo francês.)
Excerto de O Homem Perante a Natureza

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